Colas, trapaças e um currículo fumegante
Mônica Pires Rodrigues sábado, 28 de abril de 2018
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Em tempos de enorme crise ética e moral, dedos apontados para todas as direções e muita incerteza, encontrei um texto interessante sobre a trapaça. Sim, trapaça. Resolvi traduzi-lo, adaptá-lo e publicá-lo por aqui, pois fiquei pensativa e acho que o conteúdo coloca uma pulga inquieta atrás da orelha da gente.
O ponto de vista deste texto é o acadêmico, mas pode ser facilmente adaptado às várias situações em que o famoso "jeitinho" é o modus operandi preferencial. Posto, então, vamos ao que interessa.
Chamo de trapaça o que conhecemos por colar na prova, copiar texto da internet para colocar no trabalho, pagar para alguém fazer trabalho acadêmico, plágio e afins . É difícil não cair em depressão. É um problema muito penetrante e que compromete tudo o que a educação poderia e deveria ser.
As instituições estão focadas em medidas preventivas, que são essenciais sim, mas há outras questões que raramente são mencionadas na literatura ou em discussões. Os alunos que não trapaceiam normalmente não estão do nosso lado quando o assunto é reforçar as políticas que tratam da trapaça. Em um estudo*, quase 93% dos alunos disseram que já testemunharam colegas trapaceando, mas somente 4,4% disseram que reportaram o incidente. Os estudantes vivem um dilema - não querem cagoetar colegas, ainda mais se forem amigos. Se o fizerem e os outros ficarem sabendo, ganham o apelido de “X9”, “dedo-duro” - escutam um sonoro “cuide da sua vida” e são rechaçados. Com consequências locais tão sérias, é necessária muita coragem para fazer a coisa certa.
Dada a capacidade de penetração da trapaça e o aumento da aceitação da desonestidade acadêmica pelos alunos, muitos dos honestos acreditam que não seja responsabilidade deles reportar trapaceiro algum. As regras que têm como objetivo sua prevenção são promovidas pelos professores ou pela instituição, que são tidos como aqueles que deveriam cumprir esse papel.
O que os alunos honestos não sabem é o quanto são de fato afetados quando os outros trapaceiam. Trapaceiros estão recebendo boas notas nas provas e em cursos sem merecê-las! E se são notas boas, seus históricos escolares ficam turbinados e é isso que conta para o ingresso de universidades sérias mundo afora ou nas entrevistas de trabalho, na admissão de cursos e de programas de pós-graduação.
Perder a vaga para alguém que tem notas melhores sem merecimento é um preço bem alto a se pagar por ter que suportar gente que joga sujo.
E ainda, os alunos que trapaceiam deixam um azedume no relacionamento entre o professor e o resto da classe. Os professores começam a ficar cínicos e começam a tratar a todos com suspeita em vez de conceder aos alunos o benefício da dúvida.
Precisamos encontrar uma maneira de incentivar alunos honestos a expor quem engana. Em uma outra pesquisa, 90% das instituições têm procedimentos em vigor para quem "dispara o alarme", mas 88,5% responderam que isso nunca foi usado**. Na pesquisa, os alunos disseram que eles têm mais propensão de entregar algum trapaceiro se a confidencialidade deles for preservada ou se puderem fazê-lo anonimamente*. E os que trapaceiam tendem a não fazer nada se acharem que podem ser entregues por colegas de sala.
Se os professores querem incentivar os alunos a não deixar mais isso passar em branco, vão precisar deixar bem claro todos os porquês, além de enfatizar que não será nada fácil. No entanto, tudo será uma questão de moral, tanto para o que trapaceia quanto para o que age na honestidade.
Pesquisas mostram que a trapaça é uma bola de neve e que isso não acaba na escola.
Os que trapaceiam na faculdade têm mais chances de fazê-lo no trabalho. E os alunos que assistem a tudo acontecer e fingem não ver nada são cúmplices. A trapaça é problema de todos, em todos os níveis, e não vai ser enfrentada com sucesso a não ser que todos se envolvam nessa luta.
Os alunos podem precisar de ajuda para entenderem a natureza de um legítimo relato de trapaça. Não podem simplesmente sair acusando as pessoas. O relato deve incluir detalhes específicos como: quem está envolvido, o que fizeram e quando. Os professores devem receber os relatos dos alunos como uma indicação de que lá pode haver algum problema, alguma prática condenável, mas precisam verificar por si o conteúdo e a exatidão desses relatos. Todos devem ser ouvidos. Todos.
Ainda, pouca atenção tem sido dada àqueles que facilitam condutas duvidosas - alunos que deixam suas provas à mostra para serem facilmente copiadas por quem está por perto, o aluno que fez a mesma prova antes e que conta para a turma que fará a prova a seguir, o aluno que “empresta” um trabalho já feito para ser “reciclado”, o aluno que corrige a lição antes do colega entregar para nota. Eles também estão jogando sujo. Em alguns casos, não fica claro se comportamento está ajudando ou atrapalhando. Se um aluno empresta as anotações de uma aula ao outro, está ajudando ou atrapalhando? Algumas questões como a que coloquei acima não isentam o fato de que alguns comportamentos facilitam a trapaça e precisamos responsabilizar esses facilitadores.
Não há respostas fáceis para o problema. Mas isso não é desculpa para a complascência e nem nos isenta de nossa parcela de responsabilidade. A maioria das pessoas faz o possível para evitar as trapaças nas escolas, cursos, universidades e afins. Mas, promover a integridade acadêmica é dever de todo aluno, de todo professor, de toda instituição. Podemos fazer isso com liderança e incentivando alunos a pararem de jogarem sujo com as próprias carreiras.
O trapaceiro de hoje é a fraude no trabalho amanhã.
O texto que traduzi e adaptei foi publicado pela Faculty Focus e está disponível aqui. As referências mencionadas fazem parte do texto original, em inglês e seguem abaixo para consulta:
*Bernardi, R., Landry, A., Landry, E., Buonafede, M., and Berardi, M. (2016). What actions can be taken to increase whistle-blowing in the classroom? Accounting Education, 25 (1), 88-106.
**Lewis, D., Ellis, C., Kyprianou, A., and Homewood, S. (2001). Whistle-blowing at work: The results of a survey of procedures in further and higher education. Education and the Law, 13 (3), 215-225.
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