A falta em nós mesmos
Mônica Pires Rodrigues quarta-feira, 11 de maio de 2016
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Nunca tantos brasileiros chegaram às salas de aula das universidades, fizeram pós-graduação ou MBAs. Mas, ao mesmo tempo, não só as empresas reclamam da oferta e qualidade da mão-de-obra no país como os índices de produtividade do trabalhador custam a aumentar.
O acesso a curso superior aumentou no Brasil, de fato. Houve um aumento no número de instituições de ensino superior. Em 2000, o Brasil tinha pouco mais de mil instituições de ensino superior. Hoje são 2.416, sendo 2.112 particulares. Mas a qualidade do aluno e das escolas é inversamente proporcional, lamentavelmente.
Para se ter a medida do desafio que o Brasil tem pela frente para expandir a qualidade de seu ensino superior, basta lembrar que o índice de anafalbetismo funcional entre universitários brasileiros chega a 38%, segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope. Segundo a última pesquisa do Instituto divulgada em 2012, quatro em cada dez estudantes do ensino superior no Brasil não são “plenamente alfabetizados” – ou seja, não conseguem interpretar um texto, argumentar, justificar, extrair dados de gráficos ou tabelas, nem fazer contas matemáticas um pouco mais complexas – por exemplo, envolvendo porcentagens.
O maior problema de todos reside no aluno que começa no ensino fundamental com o baixo desempenho (por razões mil, desde greve de professores a dificuldade de deslocamento à escola, condição social, passando por grade curricular insuficiente, aprovação facilitada, a fome, e lá vai pedrada…) e segue nesse nível para o ensino médio, quando segue. Se ele não consegue interpretar um texto simples quando chega ao 9º ano, não saberá resolver um problema de física ou compreender uma questão de filosofia quando estiver no ensino médio, perpetuando um ciclo de baixa aprendizagem. Num país onde o professor é pouco valorizado, tanto pelas políticas governamentais quanto pelos próprios pais e alunos, fica difícil conseguir que trabalhem movidos apenas por sua paixão pelo ofício. Há pais e alunos que chegam ao disparate de desafiar professores e até questionar decisões como quantidade de dever de casa e nota atribuída a uma prova ou trabalho! Com a valorização diminuta, o professor está cada vez mais desistindo de ser o que sempre sonhou. E isso não é algo que encontramos somente no ensino público. Conheço muita família que gasta os tubos com escola particular e o que descrevo acima se aplica também: professores mal pagos, alunos desinteressados, pais que querem que a escola façam o que ELES querem porque "estão pagando"... É triste.
Como esperar de um aluno, então, que saiba interpretar um texto, por exemplo, se ele não lê, não aprendeu a debater, a expor suas ideias com respeito às ideias de outras pessoas? Isso deve ser praticado, ensinado, incentivado em sala e em casa. Poucos aprenderam isso na escola ou na vida!
Isso pôde ser notado durante os últimos desdobramentos na política do país. Quem é que não se surpreendeu ao visualizar verdadeiras batalhas de ofensas entre defensores da direita e da esquerda nas redes sociais, sem a menor arguição, sem respeito pela opinião do outro, sem saber defender e vender seu próprio peixe com bons argumentos? Foram poucos os que conseguiram defender seu ponto de vista sem desfazer do ponto de vista do outro. Voltaire com certeza virou de bruços no caixão lá na abadia! Foram raros os momentos de lucidez e de análise criteriosa. Uma cegueira generalizada. O resultado está aí: quem é situação ou oposição não sabe ao certo nem porque o é.
"Posso não concordar com nenhuma das palavras que disser, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo."
Voltaire
O Brasil, ao que parece, espera que cada cidadão se mobilize por si, busque por si, motive-se e trabalhe por si, mas dispõe aos seus cidadão pouquíssimos recursos para isso. Só que tanto o Estado quando o cidadão têm papéis que devem ser exercidos: o cidadão não deve “se encostar” no Estado e um país não deve sangrar seu povo.
Há quem reclame, há quem se conforme, há quem se mexa, há quem se omita, há quem se coce, há quem deboche, há quem prefira enfiar um soco na cara do outro e fim.
A pergunta de ouro é: qual seu papel nessa história toda? E essa pergunta se desdobra em outras: Vou me conformar e deixar meu filho na escola pública de má qualidade já que não posso pagar uma particular (que também nem é grande coisa, como mencionei) sem nenhuma interferência minha para que meu filho aprenda de verdade? Já procurei saber sobre outras alternativas para o aprendizado do meu filho? Eu já li uma historinha pro meu filho e mostrei a ele que um livro pode ser bem legal? Eu já respondi a perguntas de meu filho com uma boa explicação em vez de um ‘porque não’? Será que a proposta do adversário é 100% horrorosa ou há alí alguma coisa de bom? Ajudo meu filho no dever de casa? Eu li um livro esse ano? Qual seu motivo principal para ter votado nesse ou naquele candidato na eleição passada? Você, tão indignado com o Petrolão e a Lava Jato, sabe explicar a outra pessoa exatamente o que está acontecendo e as consequências dos fatos? Você que reclama do seu trabalho, está procurando melhorar sua qualificação para arrumar emprego melhor? Você escuta o argumento ou a explicação do outro ou acha que deixar-se convencer ou simplesmente escutar é um sinal de fraqueza?
É importante percebermos as faltas em nós mesmos. Claro que não temos acesso a muita coisa, nosso ensino é fraco, nossos professores são mal pagos e rasos pelos mesmos motivos que o são nossos alunos, as exigências do mercado são enormes, mas perceber-se como fruto do meio sem reagir é de uma preguiça tão determinista e isso é tão inaceitável quanto dizer que “ninguém faz nada pra o Brasil melhorar”.
Você faz?
E depois de ler esse texto, vai tentar buscar entender qual seu papel como cidadão ou vai achar que é mais um texto “reaça”?
Seja qual for sua decisão, que ela lhe traga muitas dúvidas e questionamentos sobre tudo na vida. Que ela traga o debate, não o embate. É um bom começo para quem pode ser muito mais do que é.
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